Pisca-alerta

Pisca-alerta (2007)

Publicado em Poesia Reunida (Landy Editora, 2008)

 

 

A cidade e os livros

Quando cheguei em São Paulo, em 1960, vindo de Ribeirão Preto,
De Orlândia, onde estudei e aprendi, com o professor Cyro Armando Catta Preta a gostar de literatura, a amar a linguagem e outros simbolismos que tais, De Sales Oliveira, onde nasci e de onde carrego as marcas de intransponíveis ausências,

Quando cheguei em São Paulo, em 1949, pela primeira vez, aos seis anos de idade, com minha mãe, na Estação de luz,
Contei os bondes que passavam ininterruptos pela praça em frente e fiquei, menino,
Admirado com a quantidade dos que circulavam abertos, com passageiros, o cobrador no estribo,
Dos que fechados, Camarões chamados, continham formas mais compostas, indistintas e distantes formas guardadas na proximidade de fatos e acontecimentos passados,
Como o do jogo, no Pacaembu, entre Palmeiras e São Paulo a que me levou,
Para me converter, tio Altino Osório, são-paulino devoto,
E quase que consegue porque vi pela primeira, única e definitiva vez,
Jogar, de um lado, Oberdan, do outro, Leônidas, o diamante negro, o inventor da bicicleta,
Que pôs para andar, neste jogo, o time do Palestra.

Quando cheguei em São Paulo, em 1960, fui para estudar no Roosevelt, da rua São Joaquim,
Na Liberdade e no Cursinho Castelões, na rua Direita, perto do Largo São Bento,
Preparar-me ao vestibular de letras da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da Universidade de São Paulo, à rua Maria Antônia,
E à Faculdade de Direito do Largo São Francisco,
O presidente Juscelino Kubitchek de Oliveira ultimava sua Brasília, terminava seu mandato,
O país, capital no planalto, ingressava, quase sem perceber,
Para nós que vivíamos, eufóricos, a eloquência da democracia, seus versos, violões de rua,
Na crise política que o apocalipse travestido em plácida agitação
Preparava, cozia, fermentava no pão duro, amanhecido e seco do golpe militar de 1964.

Quando cheguei a São Paulo, em 1960, tudo era novo, no país dos novos,
A Novacap que se inaugurava,
O cinema que na Vera Cruz se acabava e que no Rio de Janeiro nascia de novo no cinema novo,
Os poetas, então novíssimos na coleção e na antologia do editor Massao Ohno,
Tudo novo, menos o Estado que já fora novo, embora velho conhecido por repetição,
Inclusive a que viria depois do golpe militar, com sofisticação de atualidade,
Que não era novo, pois, mas que espreitava de suas velhices carrancudas o destino
Dessa liberdade frágil, prazerosa da Maria Antônia, Juão Sebastião Bar, FAU-Maranhão, Livraria Francesa, Pioneira, Bar Sem Nome, Bar do Zé, Arena, Oficina, Riviera, Grêmio da Faculdade de Filosofia, Cursinho do Grêmio, Martinico Prado, Albuquerque Lins, Paribar, Ferro’s, Redondo, Chic Chá, Catequese e Comício Poético, Sermão do Viaduto, Surrealismo, Geração Beat, Rilke, Metafísica, Lautréamont, Clarice, Roman Jakobson, Todorov, Teatro da Aliança Francesa, Rua General Jardim, Barão de Itapetininga, Cinemateca, Sete de Abril, Avenida São Luiz, Bráulio Gomes, Rua da Consolação,
Biblioteca Municipal, Mário de Andrade.
Paulicéia Desvairada, meditação sobre o Tietê, ode ao burguês, remate de Nales,
Mário encontrando Piva, encontrando Ginsberg no Parque Ibirapuera de um supermercado na Califórnia,
Paranóia, caos, Mário em São Francisco, com Carlos Felipe Moisés, Claudio Willer,
Visitando o sobe e desce das ruas e das névoas, do oriente, ocidentais,
Oh! Este orgulho máximo de ser paulistamente!!!
São Paulo! Comoção da minha vida…
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta,
Mas um dia afinal eu toparei comigo…
Garoa do meu São Paulo,
Garoa sai dos meus olhos.

 

Crise

No ritmo punk da ciclotimia,
vai-não-vai-para-anda-vem-e-volta,
o país alterna, na percepção do dia,
sucesso-fracasso, submissão-revolta,
enquanto todos, na reprodução da mídia,
dançam e balançam como jõestravolta
os embalos da noite sem energia,
ao canto do sabiá mantido sob escolta.

 

Rap da exclusão

À memória de Otávio Caetano,
poeta, cantador e líder do Cafundó

Curimei vavuro,
orombongue nâni!
No quilombo que vai
cuendar,
vimbundo vai curimar,
orombongue nâni!

[Trabalhei bastante,
dinheiro nada!
No dia que vai nascer
o negro vai trabalhar,
dinheiro nada!]

 

Hercúleo

A distância entre
a pequena e a grande
delinquência é um abismo
transponível
por um descuido.

 

Mares dantes navegados

Se o barco aderna
a vida
navega

Se o barco navega
a vida
aderna

Se o barco aderna
e a vida navega
o barco navega
e a vida aderna

Se o barco da vida
aderna
a vida navega

Se a vida do barco
navega
o barco aderna

Se o barco da vida navega
e a vida do barco aderna
a vida navega
e o barco aderna

Se o barco aderna
a vida

 

Eppur, si muove revisitado

Quando ouço a palavra cultura
saco meu revólver
dizia o execrando Goebbels
ministro nazista do execrável Hitler.
Jerry
personagem de Jack Palance como produtor de cinema
no filme O Desprezo de Jean-Luc Godard
em 1963 baseado no livro
O Desprezo de Alberto Moravia
Jack Palance ao pagar o roteirista Paul vivido
por Michel Piccoli na frente de nada menos que
Fritz Lang dirigindo
a filmagem de uma improvável Odisséia
em Capri, no sul da Itália, no mediterrâneo
com nada mais que Brigitte Bardot – Camille
a dona do desprezo que dá nome ao filme –
exuberante e bela como só a nouvelle vague pode inventá-la a ser,
Jerry que dirige a si mesmo e Camille para a morte
diz antes que Bárbara Krueger o fizesse em
1985
nos Estados Unidos:
Quando ouço a palavra cultura saco
meu talão de cheques.
Tomara que ao ouvir cultura
hoje
não saquemos nada
mas saquemos tudo
do que foi sacado.

 

Primeiro axioma da complexidade

Nem sempre as coisas são tão simples
quanto a gente gostaria
que sempre fossem

 

Barqueiro

O tempo nos carregará
a todos
abandonará
por não suportar a
percepção de outros mais
outros que
terá de carregar e abandonar
o tempo

 

A medida do tempo

Em Salamanca do rio
Tormes
donde Lazarillo anônimo
Unamuno na universalidade do mundo
da universidade na Calle de la Compañia
de Fray Luiz de Léon
uma exposição ininterrupta desde 2002
anuncia
A Medida do Tempo

Relógios de épocas diversas para as diversas
épocas que tiveram relógios
um holandês do século XIX
quadro-retrato de casal flamengo
olhos mecânicos
pupilas negras mexem no compasso do pêndulo
batida-ritmo
pra lá pra cá pra cá pra lá
pra cá pra lá pra cá pra lá
pra cá

Narram
interminável
com desconfiança o movimento
inerte da sala suspensa
no tempo
que avança, repete, remói
a indiferença contínua das máquinas
à curiosidade dos que passam para vê-lo passar
e por aí passam
na monotonia da mudança e da permanência.

 

Topologia

Quantas vezes fomos
juntos
para lugar nenhum
sempre regressamos separados
com algum
sentimento do lugar
que fomos
para lugar nenhum

 

Desvelamento

Nada engana:
a bengala esconde
a faca
na cana

 

Feminino

Não enterre seu
pouco de sonho
no meu corpo de papel
chumbo e
estanho

 

Eloquência

Ninguém responde ao silêncio
porque ao silêncio se indaga
e a resposta faz-se
de silêncio

 

Nos autos

Por perdas e danos
processei
o céu do abandono

Os anjos riram
de minha solidariedade
comportada

 

Moto-contínuo

O tempo ele próprio
não foge
na fuga do tempo

Calmo e estudado
aguarda
na tocaia das horas
o tempo de matar
o tempo

 

Fundamentalismo

Reclina-se
sobre o umbigo
na prece bombástica
de estar só
consigo

 

Ideologia

Cortar a
raiz
pelo mal

 

Compensação

Com os anos
vai-se a juventude
(perdem-se os ganhos)
vai-se a alegria
(roubam-se as horas)
vai-se a esperança
(secam-se as mágoas)
a vida vai-se
com os anos
contudo vão-se
os desenganos

 

Dança das cadeiras

Há os que me matam
os que me morrem
os que me fogem
os que me socorrem
há os que me faltam

 

Da terra, o sal

Não há bons ventos
para nau sem rumo
tampouco rumo
para nau sem vento
e menos vento
para rumo sem nau

 

Pisca-alerta

A vida
como o vagalume
tem-tem
teu pai está aqui
tua mãe também
passando o risco
de luz
na noite
outra vez

 

Portée

Qual o limite
do conhecimento?
O conhecimento
do limite!

 

Tautológico

Quanto vale
um conhecimento
sem valor?
Vale o valor
do conhecimento!

Quanto vale
um conhecimento
sem valor?
Vale o valor
do conhecimento!

 

Ritmo

Onde bate
a solidão
bate o compasso
do surdo
silêncio
da multidão

 

Alterônimo

Para não dizer que não falei
de fanerógamas
difícil é achar a rima
que com flor
tudo combina
principalmente amor
na lírica mais antiga
na mais moderna
e mesmo dura
expressão da dor.
Para não dizer que não falei
de fanerógamas
por não achar na língua
a palavra que combina
fica o verso quebrado na forma
e a forma recomposta
em amálgamas
de cor

 

Orgulho

O homem infinito
sua ocorrência
provisória

 

Dançarinos

Dois pra lá
dois pra cá
no meio
a um passo
a solidão

 

Continente

Se o amor infinito
cabe com folga
em todos os buracos
cabíveis
da idade adulta

Se acaba
ao contrário
sobra excessivo
pelo exterior cerrado
da cidade oculta

 

Instrução

Nenhuma dúvida
quanto à jornada:
começar no ponto de partida
passar pelo meio
para pagar a dívida
chegar se possível
sem receio
ao ponto de chegada

 

Poética

Ética é
a obrigação de ser livre
para cumprir
com dignidade
a condição humana.

 

Medo

Quanto segredo
se pede
para esperar
em segredo?

 

Esperança

Quantas faces
tem o medo
da face única
do medo?

 

Adverbial

Quando é sempre quando
é de vez em quando é
de quando em vez

 

Ajuste

Toma lá dá cá
a conta não bate
pelo consumido
ou sobra ou falta
nas pontas
visto de perto
o meio balança
o espanto
de estar tão lerdo
diante
de tão rápida mudança

 

Mínima

Estamos diante da nova ciência
como estiveram diante da velha
positivista
nossos ancestrais:
deslumbrados e aflitos

 

Viagem

Para conhecer o mundo
conhecer o conhecimento
do mundo

 

Reverso

As folhas no tempo
amarelecem
murcham
secam no abrigo
também
o tempo nas folhas
guardado
em branco disfarça
a constância de passar
sem ter passado

 

Mestre-sala

Em solidão me encontro
em amor me estilhaço
quanto mais comigo conto
mais consigo o descompasso

 

Redundance

The past is past
the present is gift
the future is post post

 

Selo de qualidade

Recuse imitações
fique com o original
não perca as ilusões

 

Ordenamento

Depois da estação
primeira
a segunda é a que vem
seguida
da terceira

 

Consígnia

Lema:
sempre pronta
a solução
para encontrar
o problema

 

Recreio

Considerou
que avançar ainda
era um recuo estratégico
do tempo
que avançava voraz
sobre a dor e o prazer
de sua ida e vinda

 

Igualitarismo

Cada um
é
cada um
mas
tem gente
que não tem nenhum

 

Marítima

Que bela a vida
quando a vida é bela
na volta da Jurema
no Mucuripe à vela

 

Festas

Dia chuvoso
rolinhas em dúvida
como eu também
em dívida
com a promessa
de começar de novo
o ano novo
sem fumar

 

O grão

Ponha-se no meu lugar:
pedido
Ponha-se no seu lugar:
ordem
Ponha-se no lugar dele:
compreensão
Ponha-se no nosso lugar:
entrega
Ponha-se no lugar que quiser:
desprezo
Ponha-se no lugar de todos:
utopia

 

Tentação

Olha, meu filho,
um dia,
tudo isto
não
será teu!

 

Pontuação

O tempo não sobra
nas dobras do tempo
como um fidalgo
em exclamação andante
percorre o texto do
destino de Sancho
montado em burro
mas rocinante

 

Palavras cruzadas

para Ana Clara com 7 anos

Passa o tempo
o tempo passa
e quando o tempo
não passa
vou fazendo passatempo

 

Pontaria

O tempo
feito flecha
voa
indireto para
o coração
do tempo

 

Ariadne

Ponta de ódio
na meada
do amor

 

Habilidade romântica

A lua roubar
sem
tirá-la do lugar

 

Deserdação

São coisas pessoais
intransferíveis:
a singularidade das vidas
a morte em si de cada um no outro
a vivência de ambas
indiferentes ou mágicas
repetidas

 

Evolução das espécies

A natureza
do homem é
a cultura

 

Guerra Santa

Cada um
prum lado e
Deus
por todos

 

Proposituras

Enfim é chegada
a hora
entre o que brande
a promessa
e o que escande
a ameaça
vamos pela estrada
afora
com água benta
e cachaça

 

Equilíbrio

O problema da bondade
é o bondoso
achar que é de fato
bom

O da maldade
é ser só
má enquanto
dom

 

Brás Cubas reencontra Quincas Borba

A vida mata
a morte
em lata
ao vencedor
a batata

 

Comunicação

Antes
ligados
depois
desligamos
agora
quem não liga
mais?

 

Guerra solidária

Não dispersar
não entregar os pontos
permanecer unidos
uns contra os outros
os outros com os inimigos
os aliados comuns
para facilitar os confrontos

 

Aniversário

A gente
e tudo que é vivo
mesmo com a vivacidade
de empréstimo
lunar
mesmo que a vida seja
mineral na terra
ou água corrente
presa
em lagos continente
afora
a gente bicho da Terra
de seus opostos
complementos
a gente nasce pequenininho e grande
pára no espaço de sua curvatura
cumpre os anos que a gente quer compridos
segue no tempo como se fosse reto
o caminho torto que o desenrola em curvas.

 

Pão pão, queijo queijo

Uma coisa é uma coisa
outra coisa é outra coisa
por que então você não fala
outra coisa com coisa

 

Tópicas

Heróis são
metáforas
de si mesmos

vilões são
sinédoques
dos outros

ser comum

tem sentido
figurado

 

Ufa!

Por certo
se ela não voltasse
que fato eu lhe contaria
que o dia amanheceu
nublado
com cheiro de calmaria

 

O fim da poesia

A poesia não tem fim
nem tem começo
não tem tranquilidade
nem atropelo

A poesia orgulhosa
não acaba nunca
o verso do poema
cheio de prosa

O poema sério
se diverte
faz-se de versos
de face oculta
que esconde o explícito
no seu mistério

A poesia no seu poema
não tendo fim meio ou começo
só tem tranquilidade
no arremesso

Assim não se acaba
nunca
por incompleta
nos seus poemas
definitivos na finitude
e controversos na expressão:
por eles nasce e morre a poesia
que neles vive onde não estão

Pop science

No túmulo de Isaac Newton (1642-1727), na abadia de Westminster, em Londres, Inglaterra, estão gravados os versos que o panegírico de Alexander Pope (1688-1744) esculpiu:

Nature and Nature’s law lay hid in night.
God sad “Let Newton be“ and all was light.

Em português, numa tradução politicamente livre, ou livremente poética:

A Natureza e as suas leis jaziam na noite escondidas.
Disse Deus “Faça-se Newton” e houve luz nas jazidas.

Uma outra versão do elogio de Pope foi produzida por Aaron Hill (1685-1750), seu desafeto literário, e diz assim:

O’er Nature’s laws God cast the veil of night.
Out blaz’d a Newton’s soul and was light.

Traduzindo, no mesmo espírito:

Sobre as leis da Natureza Deus lançou da noite o manto escuro.
Fora ardia um princípio essencial de Newton e era dia puro.

Consagrou-se, contudo, o dístico de Pope por qualidades próprias, pela inscrição no túmulo do herói da mecânica moderna e a tal ponto e de tal forma que entrou, sem trocadilho, pela porta da cultura pop e estourou em sucesso no best-seller de Dan Brown − O código Da Vinci − , cuja trama organiza-se, em sua parte final, em torno do quebra-cabeças em versos que envolve o poeta do século XVIII, o físico no seu jazigo e o jazigo na abadia de Westminster, cenário do desenlace do frenesi narrativo das peripécias exótico-esotéricas do romance.

Com as leis de Newton, o mundo científico viveu, ao menos até a segunda metade do século XIX, a sensação de que a física havia concluído sua tarefa e que a ciência estava, enfim, às portas de obter as respostas definitivas sobre os segredos da natureza e os mistérios do mundo.

Contudo, no dia 14 de dezembro de 1900, Max Planck anuncia, na Sociedade Berlinense de Física, que a energia não é emitida e tampouco absorvida continuamente, mas sim na forma de pequeninas porções discretas chamadas quanta, ou fótons, cuja grandeza é proporcional à frequência da radiação.

Nascia a física quântica e as determinações do mundo que a física newtoniana fazia compreender abalavam-se com toda a teoria e as certezas construídas de seu saber.

Em 1905, o “annus mirabilis” da ciência, da natureza, Einstein publica os artigos que revolucionarão a física e estabelecerão os seus fundamentos modernos: “Sobre um ponto de vista heurístico relativo à geração e à transformação da luz”; “Sobre uma nova determinação das dimensões moleculares”; “Sobre o movimento de partículas suspensas em fluídos em repouso”; “Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento” e “A inércia de um corpo depende da sua energia?”, no qual propõe a sua famosa equação E= mc2.

Com a teoria da relatividade restrita consagrada, Einstein trabalha numa nova teoria da gravitação, a sua teoria da relatividade geral e, em 1911, no artigo “Sobre o efeito da gravidade na propagação da luz” anuncia que o campo gravitacional deveria provocar a curvatura da luz.

Em 1921, conquista o Prêmio Nobel e consolida sua reputação como cientista, como humanista e como cidadão do mundo.

Nessa época, Einstein viaja bastante desempenhando com contínua intensidade esses diversos papéis sociais com que foi revestindo sua vida.

Em Londres, para onde se dirigiu depois de estar em Manchester, Sir John Squire (1884-1958) poeta, crítico, historiador e jornalista inventor da dupla paródia, que consiste em transmitir o conteúdo da obra de um poeta no estilo de um outro, acrescentou ao epitáfio de Alexander Pope para Newton os dois versos que, com fina ironia, dão bem medida dos transtornos científico-culturais que as descobertas de Einstein provocaram nas certezas de então:

It did not last: the Devil howling “Ho!
Let Einstein be!” restored the status quo.

Em nossa tradução:

Durou pouco: o Diabo uivando “Oh!
Einstein seja feito!” restaurou o status quo.

Como o mundo é feito de mudanças, conforme anotações em prosa e verso desde o renascimento, ou mesmo antes, e como lá se vão cem anos miraculosos do admirável ano de 1905 e outros quase tantos da homenagem divertida de John Squire aos abalos revolucionários da ciência, acrescento aqui meu tributo aos donos da criação.

Peço licença poética para emendar as antigas reverências com uma nova irreverência cheia de espanto maroto e sincera admiração, ficando assim, re-emendado, o poema original e também sua versão:

Nature and Nature’s law lay hid in night.
God said “Let Newton be” and all was light.
It did not last: the Devil howling “Ho!
Let Einstein be!” restored the status quo.
After a while, playing dice, thinking more free
In the space-time they started singing “Whatever will be, will be!”

A natureza e as suas leis jaziam na noite escondidas.
Disse Deus “Faça-se Newton” e houve luz nas jazidas.
Durou pouco: o Diabo uivando “Oh!
Einstein seja feito!” restaurou o status quo.
Passado um momento, jogando dados em livre pensar
No espaço-tempo todos cantavam “O que será, será!”.