A Cidade e os Livros

Poesia

Familiarizar                             Estranhar
O que é          inversamente       O que é
Estranho                                 Familiar

(19/10/2024)

 

Bandeira

Contra o status quo
a esperança controversa
dá um nó

(25/09/2024)

 

Limites

O amor é
a fantasia
cuja realidade
é a poesia

(21/09/2024)

 

Lero-lero

Sinceramente
você só
mente
quando é
sincero

(31/08/2024)

 

Da série “Novos provérbios antigos”

Água quente
em pedra fria
tanto bate
até que esfria

(30/08/2024)

 

O Observador

O tempo não para
nunca
para
o tempo
o tempo não para

(16/08/2024)

 

Ethos

Faremos
tudo
o que melhor
sabemos:
nada

(12/08/2024)

 

Corretor

De tal maneira
se acostumou
com
revisar textos
por profissão
que ao longo de muitos livros
corrigiu
a certeza
de que a vida
ao menos a sua vida
era um texto publicado
sem revisão

(04/08/24)

 

Fortuna

As cartas
não mentem
nem desmentem
jamais
somente
a carta
fora do baralho
semente
de intriga
e expiação
isola o conflito
da chuva com o raio
do raio com a escuridão

(18/04/24)

 

Conjugação

Antes
o futuro
era
melhor

depois
o passado
será
pior

agora
o presente
ausente

 

Equilíbrio

Se a alma é
pequena
o sonho
grande
não vale
a pena

(23/03/24)

 

Da lógica dos sentimentos

A ilusão é
uma mentira
envergonhada

A verdade
sem a mentira
sofre de solidão

A solidão da verdade
ilude a mentira
e a ilusão

(27/03/24)

 

Poética tardia

Se a empresa
da poesia
for o poeta
não haverá
como confundir
a métrica
com a meta

(11/02/24)

 

Esconjuro

Bato
toda manhã
antes de calçar
o sapato
no chão
para espantar
o escorpião
escondido
no fundo
do coração

(28/01/24)

 

Empate

A mão de dezembro
conduz
o tempo para o fim
de ano
com festejos de partida
e de chegada

Feitas as contas
desse perde-ganha
não se perde tudo
nem se ganha nada

 

Versículo

Do passado:
pó do tempo

Do presente:
tempo de pó

Do futuro:
pós

 

Vaidade

Por mais bela que fosse
bela queria ser
para mostrar a camélia
na cama do bem querer

Por mais pouca que fosse
a vida louca sem ter
o que mostrar o que fosse
na hora do vamos ver

Entre mostrar e esconder
entre não ver e ser vista
passou o tempo escondida
na roda viva da vida

(23/12/23)

 

Fotobiografia

Princípio de passado leve:
proximidade do fim

Agenda de futuro breve:
despedir-se de mim

Memória que o presente escreve:
era uma vez o que foi assim

(19/12/23)

 

Saudades

Faz tempo
anos
que não a verei
jamais

(16/12/23)

 

Afetos

No samba da desunião
o amor casa com o espelho
o ódio com a ilusão

 

Aniversário

A gente
e tudo que é vivo
mesmo com a vivacidade
de empréstimo
lunar
mesmo que a vida seja
mineral na terra
ou água corrente
presa
em lagos continente
afora
a gente bicho da Terra
de seus opostos
complementos
a gente nasce pequenininho e grande
pára no espaço de sua curvatura
cumpre os anos que a gente quer compridos
segue no tempo como se fosse reto
o caminho torto que o desenrola em curvas.

 

Através do espelho

Como a consciência
o tempo
sem ter consciência
de si mesmo
é enxuto

relativos
um ao outro
cada um
em si mesmo
é absoluto

 

Agro

A ordem dos
tratores
altera
o produto

 

Água dura

O humor
é
um atrevimento
comedido
um gesto brusco
contra
a piada chula
desfaz o ciso
expõe ao riso
a situação esdrúxula

 

Alento

A maldade
do bom
surpreende
o desatento
do mal
na bondade
paradoxal

 

Alquimia

Vida é
o que transforma
o acaso
em necessidade

 

Bravata

Apostei
que segurava
o tempo
como o touro
à unha

Nem uma coisa
nem outra:
o touro
não venci
que nunca enfrentei

O tempo
não perdi
mas nunca
encontrei

 

Breviário

Arte e vida
se imitam se
limitam a vida
é intensa e curta a arte
longa e intensa sob modos
diferentes: a vida
não tem intenção nenhuma
a arte
sem intenção
tem a intenção de não ter
intenção alguma

 

Cadência

Cintilante
estrela
o instante

 

Caixa eletrônico

Não caia nessa
toque para frente
nem que for de ouvido
não aceite ajuda de estranhos
ao projeto de felicidade
que nasceu consigo
contra a fatalidade
do que será cumprido

 

Campeão

Ninguém jamais
o derrotou
no jogo
sincero
da hipocrisia

 

Cançãozinha da indiferença

Fechada
em
si
sem

de
mim

 

Cara ou coroa

Por extenso
a vida
a morte
resumida

 

Casa editora

O passado
tem a propriedade
de não poder ser
editado

O futuro
não se replica
não se conta
não se publica

O presente
não se narra
acontece
ao acontecer
se esquece

 

Colonialidade política

O Brasil nasceu colônia
em 1.500
assim permaneceu mudando
em 1822
com a independência dependente
das afinidades eletivas
que o capital determinou

Pós-colônia seguiu no império
escravocrata
até a república conduzi-lo
à pós-modernidade
Mexidas as estruturas do patriarcalismo
o país persistente
avançou para o pós-tudo
na falta de barra e porto onde adquirir
sensatez
desfez-se do razoável
decretou o nacional-nacionalismo
ao mal teórico acrescentou a prática da maldade
fantasiou-se de justiceiro mascarado
e colou na cara a desfaçatez
O Brasil continuou colônia
Não das velhas como conhecidas
entregando ouro
com centro
dependência
periferia
mas de modelo novo
centrado
dispersivo
colônia dentro da colônia e fora dela
com fome desvairada de não ser outro
disputando a tapa a própria ideologia
de ser consistente e triunfal na desigualdade
sincero e arrogante na hipocrisia

 

Comunicação

Antes
ligados
depois
desligamos
agora
quem não liga
mais?

 

Confiança

O Natal
o Ano Novo
espreita

 

Crime e castigo

Atirar
nos seus
mortos
com balas
de saudades

 

Cultivo

Pais e filhos
não se escolhem
são colhidos

 

Decreto

A vida e suas
adjacências
incluem
a hora
o tempo medido
um calendário
que nega
o tempo corrido
que é também sua
afirmação
no contraditório:
todo homem é
imortal
salvo
disposição
em contrário

 

Deserdação

São coisas pessoais
intransferíveis:
a singularidade das vidas
a morte em si de cada um no outro
a vivência de ambas
indiferentes ou mágicas
repetidas

 

Do amor enigma

No meio do caminho de nossa vida,
Cruzam-se presença e ausência
A traçar o trajeto de quem lida
Com o sucesso e o fracasso da existência.

No ponto de encontro, una e dividida,
À sombra do acaso, sobra a aparência
De que a revelação se dá por escondida
Máscara do real, ilusão da consciência.

Tenta-se não perder o encantamento
De juntos ser felizes só por tê-lo
O amor, ora projeto e sentimento,

Às vezes, sendo excesso e também zelo,
Esbarra no destino, mesmo lento,
De sempre se enganar com o próprio erro.

 

Dual

Numa reviravolta
cinematográfica
a prática virou teoria
a teoria ficou sem prática

 

Dupla jornada

Por um toma
lá dá cá
queria impor
a bondade
a qualquer
custo.

Tinha contudo
um problema
augusto:
era má

 

Eça revisitado

Não havia
mais
como negar
a verdade
enfim
aparecia
sob o manto
diáfano
da fantasia

 

Equilíbrio

O problema da bondade
é o bondoso
achar que é de fato
bom

O da maldade
é ser só
má enquanto
dom

 

Espaço e tempo

Com o futuro
não se brinca
com o passado
também não
com o presente
forma a trinca
do real e da ilusão

 

Eterno retorno

Alguns nomes ficam
outros
com os nomes se vão
contudo
nenhum volta
na ciranda da ilusão

 

Ética lírica

O amor
é uma necessidade
que o desejo obriga

 

Evolução das espécies

A natureza
do homem é
a cultura

 

Excelência

Por quem sois!?
Assim a vossa
liberdade
atenta contra a
Liberdade
antes
durante
e depois

 

Existencial

A essência
é
a contingência

 

Fábula rábula

Era uma vez um país
num círculo vicioso
onde brilhavam estrelas
dobradas em seu fulgor
E o vagalume invejoso
sabia que o presidente
sonhava com um ditador

 

Fama

Todo sujeito
é
predicado
de si
próprio
a internet
é
predicado
de um
cronópio

 

Fundição

Ferro gusa
ferro em brasa
ferro gozo
ferro passa

 

Gastronomia lírica

Atônito
ano após ano
o amor platônico
converteu-se
em amor vegan

 

Guerra Santa

Cada um
prum lado e
Deus
por todos

 

Guerra solidária

Não dispersar
não entregar os pontos
permanecer unidos
uns contra os outros
os outros com os inimigos
os aliados comuns
para facilitar os confrontos

 

Habilidade romântica

A lua roubar
sem
tirá-la do lugar

 

Harmonia

Num ponto
todos desacordavam:
não havia como concordar
com ele nem
com aqueles
que em desacordo
com ele
discordavam
entre si

Desse modo
tudo confluía
para um só
entendimento:
o de que todos
enfim
concordavam
com o
desentendimento

Jogo de dados
Divina barganha:
perde
quando nasce
morre
quando ganha

 

Hipérbole

De postura elegante
No salto alto
Caminha
Como um elefante
Nadando
No asfalto

 

Identidade nacional

Terra de contrastes como sempre
tudo é igual a si e a seu contrário
o temporário segue permanente
e o permanente permanece temporário

 

Imperativo categórico

É preciso ser
livre
para suportar
o excesso de liberdade
a que estamos
condenados

 

Inadiável

Não perca
o sono
nem o sonho
não durma muito
nem sonhe pouco
fique no ponto
que o trem avança
espere a hora
troque
a espera
pela esperança

 

Ingratidão

O tempo voa
a esmo
não perdoa
os que com ele vão
mesmo
numa boa

 

Justiça

Sob suspeita
todos
continuam
livres
para produzir
provas
novas de suspeição

 

Lavanderia

No varal do tempo
estendida
a esperança
como colcha
colorida
na varanda

 

Lei seca

A finalidade
de todo finalismo
se é que tem alguma
é esconder
que as coisas
em si
não têm finalidade
nenhuma

 

Lema

Sempre pronta
a solução
para encontrar
o problema

 

Likely News

A verdade
sob o manto diáfano
da circunstância

 

Marchinha

Pior
não fica
fuja
pra Martinica
com a grana
escondida
numa casca de banana
nanica

 

Mnemônico

Tão distraído
que às vezes
ao sair
esquecia-se
em casa

 

Móbile

Ao contrário do incomum
antes durante e depois
fui pelo menos dois
sempre que tentei ser um

 

Möbius

Bem ou mal
termina
se bem que
termina
mal
começa
bem
ou
mal
termina

 

Momento político

Procurem
de parte a parte
as soluções
descabidas
as que cabem
já estão
acondicionadas
em caixas de descarte

 

Mônada

A verdade é
um segredo
compartilhado
com quem
não quer
dividi-lo

 

Mosqueteiros

Cada um
é
cada um
e
todo mundo
é nenhum

 

Nacional

Uma no
travo
outra na
Fechadura

 

Na rota dos desejos

pela tangente
saía-se
eloquente

pelo tangido
mostrava-se
compungido

pelo oblíquo
cercava-se
de oblívio

pelo certo
vestia-se
discreto

pelo agudo
supunha-se
astuto

pelo real
tornava-se
banal

pelo trágico
fingia-se
mágico

pelo poético
sonhava-se
patético

pelo país
queria ser
feliz

 

Natalidade

Ontem ainda
eu era o menino
que ficou retido
em Sales Oliveira
para onde
nunca mais voltei

 

Negócios à parte

A amizade
esta estranha
aproximação
que faz do distante
perto
da distância
uma ilusão

 

Neymar


não se fazem
Pelés
como antigamente

 

Nonsense

O sentido do ser
é
o tempo

o sentido do tempo
é
a poesia

a poesia é
o sentido do tempo
na poesia

 

Novela

Por que os bons
são
bombons?

Por que os maus
se dão
mal?

Por que as más
são
leva-e-traz?

Por que as boas
viram
patroas?

 

Novos provérbios antigos

Devagar
se
fica no lugar

Prudência
e caldo de galinha
feijoada
e caipirinha

O exigente
come quente
o discreto
come quieto

Quem espera
sempre
amansa

Quem vai
vai
quem não vai
fica
e quem fica
também
vai

 

Números

Nada como
um dia
atrás
do outro
e eu
de você

 

O fim da poesia

A poesia não tem fim
nem tem começo
não tem tranquilidade
nem atropelo

A poesia orgulhosa
não acaba nunca
o verso do poema
cheio de prosa

O poema sério
se diverte
faz-se de versos
de face oculta
que esconde o explícito
no seu mistério

A poesia no seu poema
não tendo fim meio ou começo
só tem tranquilidade
no arremesso

Assim não se acaba
nunca
por incompleta
nos seus poemas
definitivos na finitude
e controversos na expressão:
por eles nasce e morre a poesia
que neles vive onde não estão

 

O tempo

torce
retorce
distorce
a realidade
da lembrança
move-se

 

Oncologia

O amor
é uma necessidade
que o desejo obriga

 

Paciência

Nenhuma história começa
quando do nada
outras histórias se acabam
juntas
começam
juntas
acabam
esperando
cada uma
a vez
do era uma vez
de ser contada

 

Pangloss revisitado

Não há bem
que tão longo
dure
não há mal
que o tempo
não cure

 

Passado a limpo

Sem ficar
nem ser
aborrecido
tenho
às vezes
saudades
do que foi
do que não foi
do que poderia
ter sido

 

Pedras

conforme o tempo
passa
a gente
fica atento
ao que com o tempo
não passa
o tempo passado
a passar o tempo
para segurar
o passado

 

Pergunta retórica

O que seria
do poeta
sem poesia
e do poema
o que seria
então
se os versos
soltos
se perdessem
em cantos
nos campos
roucos
do raiar
do dia
no pouco
a
pouco
desta solidão?

 

Permanência

Passado a limpo
o tempo resta
com duas datas
a da chegada
e a da partida
todos os outros dias
pertencem à felicidade
de estar entre elas
como a própria vida

 

Pipoca

No escurinho do cinema
peguei pela primeira vez
na sua mão minha namorada
você na minha eu na sua
I want to hold your hands
antes e depois dos Beatles
o filme era Suplício de uma saudade
Love is a many splendored thing
com William Holden e Jennifer Jones
ele com fama de mulherengo na real
ela de mascar alho para impedir que ele se aventurasse
os dois na sala de projeção do Cine Santa Rita
em Sales Oliveira
vivendo na tela na plateia para sempre no celuloide
O amor anunciado da separação

 

Planimetria

Como previsto
no plano inicial
dois pontos deviam
ser
concluídos em definitivo:
o primeiro e o segundo
o terceiro
pelo indefinido do tempo
ficou fora
sem chance
de inclusão
na agenda
das prioridades
espaciais

 

Posfácio

Queremos você
aqui
fora do palácio

 

Pós-verdade

Tão falso
Tão falso
Que só a falsidade
Soava como verdadeira

 

Preguiça

A insônia domingueira
expulsa o tempo
recolhido
no relógio
da cabeceira

 

Prestidigitação

O amor
estranho circunstante
transforma a fugacidade
da hora
na eternidade
do instante

 

Proposituras

Enfim é chegada
a hora
entre o que brande
a promessa
e o que escande
a ameaça
vamos pela estrada
afora
com água benta
e cachaça

 

Realpolitik

Muitos
têm princípios
poucos
fins

 

Receita de metafísica

Para dizer a essência
do que uma coisa é
contrapô-la à aparência
do que ela não é

 

Receitinha

A poesia que pensa
a poesia
não é poesia

é poesia com poesia
como se fosse
laço sem

 

Reconforto

A esperança
que nos puxava
levou-nos
ao abismo
juntos
hoje
em comum
mais nada
dele
fizemos um abrigo

 

Revisão

Vida mole
pedra dura
tanto bate
até que dura

 

Romântico

O amor
dois pontos:
o que ata
o que desata

 

Rotina I

Disse que ia até
a padaria
comprar cigarro.

A mulher resmungou
uma concordância
ele saiu.

Na padaria
conversou fiado
tomou cerveja
pagou em dia
fumou um cigarro
invejou um turista
que pedia informação.

Olhou o relógio
pensou na novela
no jogo
em si
e nela.

Para decepção
dos dois
voltou pra casa
e pro desejo
de ficar no bar.

 

Sentinela

Contra o tempo
contrário ao repouso
à permanência
não ficar surpreso
sábio
tolo
solto a esmo
não perder de vista
o movimento
a mudança de um e de outro
tampouco a volta
do outro ao mesmo

 

Sinais comuns

Na vertigem do cotidiano
solto em redes sociais
de engano
passeio minha sinceridade
tola
por ruas perigosamente virtuais
de uma fatal cidade

Tudo é real e um quase nada
de fantasia veste a realidade
na ficção
quanto mais exponho minha liberdade
preso
mais cresce conectada
minha coletiva solidão

 

Solução

Não tem problema
a gente
desescreve
o poema

 

Soluço

Veio e foi
num átimo
estendido

 

Spoiler

Vou lhe contar
quem é
o assassino
mas
não conte para
mim

 

Tempo e poesia

Passa o tempo
o tempo passa
enquanto
o tempo não passa
vou fazendo
passatempo

 

Typo

O tempo
não sara
nem apara

 

Ufa!

Por certo
se ela não voltasse
que fato eu lhe contaria
que o dia amanheceu
nublado
com cheiro de calmaria

 

Ulisses revisitado

O micro é o nada que é tudo
o macro é o tudo que é nada
o nada é tudo que é micro
tudo é o macro que é nada

 

Utilidade

Amor
quem usa
não mata

 

Vapt-vupt

Passou rápido
como num susto
a vida breve
brevíssima
a vida
nem se percebe